"A música é a única arte que te pega pelas costas" (Millôr Fernandes)
Pois é, ela não pede nossa permissão.
Não há como virar as costas ou fechar os olhos para dela fugir, até porque nossos ouvidos não têm pálpebras.
Ela penetra, invade nossos corpos e, em pouco tempo, estamos sob a posse deste espírito mais vivo que nós próprios que, antes de nos darmos conta, faz nossos pés marcarem o pulso ou mesmo valsearem um dois três um dois três...
E é justamente desta forma que ela nos faz perceber que, até ela nos atingir, estávamos ocos e vazios, e vai sutilmente nos preenchendo de vida, até o ponto que nos transborda e nos tornamos marionetes do som.
Dela nos emocionamos, nos alimentamos, nos embriagamos e nela achamos um refúgio.
Não importa quantas vezes se repita, a música se renova a cada momento, nos surpreendendo e nos tocando a cada instante, de maneira ainda mais intensa do que da primeira vez.
Mal nossa música predileta termina e já estamos sedentos por ouvi-la novamente, pois cada escuta é um ato único, que depende de nosso estado de espírito, de nosso foco, de nossos desejos e do ambiente em que estamos.
Não importa quantas análises sobre ritmo, escala, andamento ou estilo alguém tenha feito; a música está além das palavras e do pensamento racional.
Ela é abstrata.
Uma nota só nada representa, pois não é simbólica como uma palavra ou uma imagem.
Contudo, a articulação de algumas delas começa a criar um sentido que, mesmo quando acompanhadas de uma letra, tem um significado muito próprio.
Ela faz rir ou chorar, evoca memórias e sentimentos, desenha paisagens, causa sensações e emoções.
É uma linguagem.
A partir dela, podemos nos expressar livremente qualquer sentimento ou pensamento, podemos ser quem somos sem máscaras e podemos até conversar com alguém de outro país por meio dela.
Talvez, a linguagem universal tanto buscada e até mistificada na narrativa da Torre de Babel seja a música, que todas as culturas tocam e a todas ela toca.
Ela é poderosa.
Seja ela utilizada como meio de expressão, como arte, como refúgio, como válvula de escape, como instrumento mnemônico, como linguagem ou como terapia, o poder da música é inegável.
Atemporal, ela sobrevive enquanto houver quem a ouça, independentemente da sua época de origem.
Imaterial, ela possui um perfume característico que, carregado de subjetividade, consegue tomar a forma do ouvinte.
Invisível, ela preenche o ambiente e os que neles se encontram, criando uma atmosfera de sensações que não se dissipa simplesmente com o fim do som e o advento do silêncio.
Silêncio.
É só parar e prestar atenção.
Ela também reside no silêncio.