quarta-feira, 30 de julho de 2008

Conto Zen


Embora não siga nenhuma religião, li alguns contos Zen e fiquei maravilhado com a força descomunal da simplicidade destes textos e, inspirado neles, criei este.


Certa vez, um monge, conhecido por seu talento e suas habilidades artísticas, foi convidado a expor em um renomado museu de arte contemporânea da Europa.
Com um sorriso, ele aceitou o convite e levou uma folha de árvore ainda verde.
Os curadores, mecenas e grandes intelectuais olhavam maravilhados para a folha na mão do monge e iniciaram uma longa e acalorada discussão em busca da mensagem que o artista queria transmitir.

Incrível, um silencioso signo da simplicidade e da inocência.
Genial, sem dúvida, é uma metáfora da vida humana.
Não, creio que é uma mensagem da preocupação com a vida e com a natureza que remontam ao equilíbrio e à harmonia do yin yang, que remontam à sabedoria da cultura oriental, é uma crítica contra o consumismo e a depredação do sistema capitalista ocidental e um regresso às origens do homem, não acha?
Se quer saber, acho que o artista enfatizou o processo da criação desta obra que foi, na verdade, criada pela natureza, é um lembrete de que também somos parte dela.
Não sejam tolos, será que ninguém percebeu que o grande tchãns da obra é a efemeridade da mesma?
Claro! E é um ser vivo! A efemeridade da vida, o ciclo vital, a ciclicidade de nossa história, os ciclos que movimentam nosso mundo.
Uma verdadeira obra prima. Inicia uma vanguarda.
Deveras. Há nesta obra uma clara crítica contra a arte contemporânea e a história da arte. Um ready made da natureza, certamente há uma crítica contra a megalomania e a complexidade poluente de certos artistas contemporâneos.
Acho que vocês estão complicando demais. Acho que são as nervuras da folha que é o verdadeiro signo semiótico no qual deveríamos nos concentrar. São uma metáfora dos caminhos que se bifurcam, como uma citação de Borges.
Esperem, senhores, esperem.

Silêncio.

Muito bem. Meu caro monge, será que você poderia nos esclarecer o significado desta obra?
Sim.
Esplêndido! Então nos diga, o que é esta folha?



É uma folha.



segunda-feira, 21 de julho de 2008

O conto da morte do irmão de Charles


Charles estava escovando os dentes quando, a menos de um metro de distância, seu irmão, no box do mesmo banheiro, pisou no sabonete que caíra e bateu a nuca no registro de água, interrompendo a canção sertaneja brega que ele cantava com tanto vigor.
Imediatamente, Charles desatou a rir, cuspindo a espuma da pasta de dente no espelho e nos azulejos.
Foi um espetáculo trágico e cômico, não necessariamente nesta ordem, e Charles, depois de gargalhar por dois minutos ininterruptamente, abriu a cortina translúcida de plástico e entrou da maneira como estava, de cueca e com a escova de dentes na boca, para ver o estado de seu irmão.

Morto.

Sob a luz fria de uma lâmpada fluorescente de 60W, Charles abraçava seu irmão, cujo corpo se encontrava nu e os cabelos, cheios de shampoo. As gotas quentes que caíam do chuveiro se misturavam com suas lágrimas e com a baba branca sabor menta anti-tártaro para dentes sensíveis que escorria de sua boca e desenhavam um trajeto de seu rosto para sua cueca.
Ele morreu assim, pá, repentinamente, sem dor, sem sofrimento, sem últimas palavras, sem proteger alguém de um tiro com o próprio corpo, sem contar seus planos malignos de dominar o mundo, sem declarações de amor, sem revelações bombásticas a respeito de sua sexualidade, sem revelar as coordenadas de um tesouro escondido, sem conselhos sábios ou frases de efeito, enfim, morreu, pá, simples assim.
Não deu seu último suspiro nos braços de seu irmão e já se foi de olhos fechados, sem ao menos lhe dar a oportunidade de fechá-los como nos filmes.


Bom, mas e agora, o que diabos fazer com o corpo?
Seus pais morreram há anos em uma morte tipicamente merecedora de um Darwin Awards, quando, para não dar na vista dos filhos, faziam sexo dentro do carro que estava dentro da garagem com o motor ligado para manter funcionando o ar condicionado e se intoxicaram com monóxido de carbono.
Só havia, portanto, Charles para cuidar do corpo de seu irmão.
Construir uma pirâmide estava defitinivamente fora de cogitação, pois ele não tinha dinheiro para bancar nem ao menos um funeral descente com um caixão descente nem pagar mensalidade de um cemitério particular.

Teria de ser um método barato.
Jogar o cadáver no mar poderia lhe trazer problemas se ele aparecesse boiando na praia de Copacabana, enterrá-lo no jardim não seria possível, uma vez que ele morava em um prédio, e Charles era cagão para métodos de filmes educativos de psicopata ou de gangster.
Depois de muito pensar, Charles chegou à conclusão de que ficar soterrado e sendo comido pelos vermes não era nada agradável, ao contrário da poesia de ser transformado em cinzas e lançado ao mar.
Após alguns dias na churrasqueira emprestada do vizinho, o irmão de Charles foi parar num pote de sorvete como o feijão que sobra do almoço. Na falta de um urna funerária, tinha ainda a vantagem de ser um recipiente hermético.
Charles, então, pegou um ônibus, desceu para o litoral e assim que chegou na rodoviária guardou o pote de sorvete num guarda volumes.
Dali, foi para uma pousadinha descansar.
Abriu o chuveiro, entrou e pá, teve o mesmo fim que seu irmão, porém sem risadas, sem churrasqueira e sem a eternidade num pote de sorvete dentro de um guarda volumes.


quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Triste Fim da Idéia

A Idéia (iniciada em maiúsculo mesmo) era tão bela, tão poética, tão perfeita, tão... tão que seria um pecado transformá-la em palavras.
Ela deveria permanecer pura, intocável pela gramática e não poderia de jeito maneira ser contida em um aquário de vernáculos.
Mas, infelizmente, o escritor, cegado pelo brilho da Idéia, sentiu uma tentação como nunca sentira antes em sua vida e não se conteve.
Quis transmitir aos outros sua fascinante Idéia e acabou escrevendo este texto de merda, violentando sua virgem nascida das lágrimas dos deuses e transformando-a em uma putinha barata.

- Olha só, veio mais uma para este cabaret.