quinta-feira, 22 de maio de 2008

Nota sobre o ato de escrever 3

"Os pensamentos vêm ao acaso e se vão ao acaso. Não há estratégia que permita guardá-los ou possuí-los. Um pensamento escapou: eu estava tentando anotá-lo; em vez disso, escrevo que ele me escapou." (Pascal)
O escritor, carregando apenas um lápis e uma folha em branco, iniciou mais uma de suas longas viagens.
Na parede de seu crânio, colara uma foto da vaga idéia do lugar aonde queria chegar.
Todavia, sabia com certeza que não sabia ao certo que caminhos teria de percorrer.
Era como se sempre seguisse a mesma estrada para o mesmo lugar, mas, a cada ida, tanto o caminho quanto o destino transgrediam as regras de espaço e tempo e se tranformavam.
O caminho, sempre um labirinto, mudava a todo instante e levava o autor à paisagens que jamais esperou ver.
Naquele dia, as bifurcações eram tantas que ele se perdeu de sua rota.
Planejava chegar velho ao fim do mundo em uma caminhada de poucas frases, mas quando se deu conta, viu-se transformado em um menino perdido em uma praia deserta.
Como na infância, tentava pegar com as mãos os pequenos peixinhos que eram carregados pelas ondas.
Como na infância, se via cercado de alevinos que lhe escapavam e, em suas mãos, somente areia, que lhe escorria pelos dedos.
Desistiu, então, de capturá-los e aproveitou a areia que lhe era tão farta para construir um castelo.
Megalomaníaco como qualquer criança e como qualquer escritor, a partir de seu castelo construiu seu império sem limites e sua própria religião em que ele era o único Deus.
Seu regime ditatorial lhe concedia poder suficiente para anular as leis da física, distorcer o espaço e o tempo, desafiar a lógica, enganar a morte, criar mundos e unir universos.
Em seu antigo reino, bonecos de plástico eram bravos super-heróis que salvavam o mundo da destruição por desalmados gravetos alienígenas.
Já em seu mundo recém constuído, pensamentos imateriais eram sensuais musas que seduziam palavras inocentes.
Em suas mãos, a luz da criação e em sua boca, o sopro da morte.
Era Shiva, era Tânatos, era Lúcifer, era Cronos.
Era criança, era escritor.
Riscava com um lápis o destino de seus títeres e, com eles, manipulava sensações, sentimentos e pensamentos da platéia, que anseiava para saber o que iria acontecer a seguir naquele mundo fadado a acabar, naquele universo que seria aberto e fechado diversas vezes e replicado diferentemente na mente de cada leitor.

Nota sobre as Notas sobre o ato de escrever

Nota de esclarecimento, antes que alguém pergunte: Cadê o dois? Vai do um pro três?
A primeira está no meu blog, mais exatamente aqui.
A segunda não foi escrita por mim, mas você pode encontrá-la no blog de um velho amigo, cujo link está no canto da tela e a nota, mais precisamente, está neste link.
A terceira é a que vem no post depois deste aqui.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Suco de amarelo

Sempre me perguntei do que é realmente feito o suco de amarelo e de vermelho que fica dias e dias ali dentro daquele troço de plástico, as refresqueiras (é, fui procurar no google) encontradas em butecos, fast foods, bandejões e outros lugares por aí.
Todo mundo já tomou suco de amarelo na vida e é incrível como a gente já se acostumou a se enganar, talvez até mais que ser enganado.
Podia estar com o rótulo de "maracujá" ou "abacaxi" ou "água suja com açúcar e corante", tanto faz, ninguém ia perceber, mas está "laranja" e, por algum motivo, a gente acha que realmente existe uma alminha pequenina de laranja naquele suco de... amarelo.
Mesma coisa para alguns sucos que vêm na caixa ou em pó.
Nem a pau que o tang e o suco de laranja de caixa é feito de laranja.
No máximo, pode ser feito de uma abstração fauvista da fruta.
Mas creio firmemente que é feito de amarelo, isso sim.
Outro dia ainda comprei um tal de Whoops! que se dizia ser feito de Maracujá + Camomila.
Apenas dizia, pois não tinha gosto de maracujá e muito menos de camomila.
Fui ver os ingredientes e lá estava o motivo: Ingredientes: suco de laranja [...]
O pior é que também não tinha gosto de suco de laranja.
Malditos sucos de amarelo.



sexta-feira, 16 de maio de 2008

Quantas cores tem o céu?

Acordei quando o sol focava seu olhar em meu andar, interrompendo um sonho em que eu estava a andar e a perguntar ao sol sobre as cores do céu.
Ainda pseudoacordado, ou talvez semidormindo, abri a janela para que o dia, de súbito, substituísse a noite escura de meu quarto.
Logo, o astro invadiu o cômodo com seus longo cílios que tudo iluminavam.
Não, desculpe, ele não invadiu.
Ele apenas entrou sem pedir licença, pois sabia que era bem vindo.
Sua presença radiante estava ali, por todo meu quarto, enquanto boiava alto na imensidão azul do firmamento.
Naquele dia, fitei o céu, prestando atenção em sua paleta de cores.
O azul celeste, o cinza tempestade, o o branco algodão, o cinza poluição e as cores do arco íris.
Logo, viria o negro da noite, salpicado com estrelas e fogos de artifício.
Apesar de ser incrível a riqueza de cores que navegavam sobre nossas cabeças, nenhum momento era mais belo que a aurora e o pôr do sol.
Quando o sol nasce ou se vai, quando está na linha do horizonte que separa o ontem e o hoje e o hoje do amanhã, ele mistura gotas do dia e da noite, transformando o céu em um espetáculo caleidoscópico.
Não era à toa que os apaixonados escolhiam aquele momento de matizes mutantes para se declararem à beira do mar, enquanto admiravam o imenso espelho d'água refletir o olho do céu e a espuma das ondas, alvas bailarinas, dançarem com a própria canção e mudarem a cor de seus vestidos.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Massa crítica

Na física, massa crítica é a quantidade necessária de um material físsil para manter uma reação nuclear em cadeia.
Bum!
Quando criei este blog, pensei em uma metáfora: a quantidade mínima necessária de palavras, idéias, pessoas e pensamentos para manter uma reação em cadeia que sustentasse um ideal.
Mais tarde, descobri que os sociólogos já tinham fagocitado o termo e se utilizado dele desta forma antes de mim.
Também descobri que Massa Crítica é o nome de um movimento social que ocupa as ruas com veículos de propulsão humana. Isto é, uma grande massa que critica os meios de transporte que queimam combustíveis poluentes entre outras coisas.
Ah, sem mencionar que Massa Crítica era o nome do busão que eu pegava para ir para a Unicamp.
Além do nome em comum, todos os citados adotaram este nome muito antes de mim.
Que falta de originalidade.
Ainda assim, Massa crítica, ao menos para mim, retém em si outros significados.
Além do objetivo de manter uma reação em cadeia, por menor que seja, massa crítica seria o resultado final, se a reação em cadeia atingisse a todos.
Obviamente, isto é impossível. Sou uma massa suficientemente crítica para saber isto.
Infelizmente, a sociedade de massas não critica quase nada.
Apenas aceita tudo.
Massa crítica também me traz a idéia de algo prestes a explodir.
A sociedade, o mundo, a vida, tudo em um estado crítico.
Bombas nucleares nas gavetas, aquecimento global, mudanças na configuração familiar, o mal estar da civilização, colapsos ambientais, sociais e nervosos.
Bum!
Por estas e outras razões, critico esta massa de realidade aqui de forma massiva.
Quiçá, também maçante.
Se for, pode dizer, aceito críticas.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

1° Aniversário

Hoje, percebi que faz pouco mais de um ano que escrevo aqui.
Antes, eu escrevia coisas idiotas em um blog feio sem diagramação nenhuma.
Não que hoje seja muito diferente, dirão alguns de vocês, mas pelo menos este blog é mais bonito, tem melhor diagramação e, modéstia à parte, vocês hão também de convir que há aqui nestas, até então, oitenta e quatro postagens, algumas coisas boas.
Algumas.
Hoje, reli
os textos e revi as imagens postados ao longo deste ano.
Posso dizer que foi como abrir um antigo álbum de fotos e pensar "Como eu mudei!" ou "Nesta época, eu ainda acreditava nestas coisas." ou até "Caramba, eu gostava disso! Que mal gosto!"
Em algumas fotos, saí bem, enquanto em outras, sinto aquela vergonhazinha ao ver.
Mas assim como não tiramos as fotos feias dos álbuns, resolvi não apagar os textos ruins.
Foi então que refleti e vi que este foi um ano repleto de mudanças.
Não, minha vida social não mudou nada ou quase nada, continuo basicamente ancorado à mesma rotina e apegado às mesmas pessoas.
Todavia, minha mente tomou outros caminhos, dividindo-se e percorrendo outras bifurcações do jardim.
De tanto me perder no labirinto, aprendi algumas de suas rotas e armadilhas e já não me é tão essencial o fio de Ariadne.
Mais que achar alguns textos, que antes eu gostava, ruins, o que me surpreendeu foi interpretar outros sob um novo olhar e achá-los bons.
Ainda mantenho o pensamento crítico para tudo, mas se as fases da aceitação são: negação, raiva, barganha, depressão e, enfim, aceitação, pude ver com clareza que, pelo menos para algumas coisas da vida, já passei por todas as etapas, e o olhar crítico já não envolve tanto a parte emocional.
Ao longo deste ano, algumas pessoas me olharam torto após lerem alguns textos e outras se aproximaram de mim.
Tive até a chance de compartilhar minhas idéias com ex-desconhecidos.
Já ouvi críticas e elogios por ser crítico.
Já me perguntaram se sou um infeliz, afinal, a maioria dos textos são melancólicos.
A resposta para esta questão é que, como todos sabem, a bela poesia costuma ser colhida na árvore da melancolia.
Seus frutos são amargos e doces e conseguem tocar o ser humano onde incomoda e emociona.
Sei que ainda não domino a arte de materializar em palavras meus pensamentos, meus textos não são tão eficazes e tocantes quanto eu queria que fossem, talvez por isso eu possa ser um infeliz.
Tanto que esta, na verdade, não foi a melhor resposta para a pergunta em questão.
Acho que a melhor foi dada por Umberto Eco.
Não acretido na felicidade - estou dizendo a verdade. Acredito apenas na inquietude. Ou seja, nunca estou feliz por completo - sempre preciso fazer outra coisa. Mas admito que na vida existem felicidades que duram dez segundos ou meia hora [...]. Mas são momentos muito breves. Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto. (ECO, 2008)
E por que, então, não expresso minha felicidade em letras brancas neste fundo preto?
Porque eu prefiro expressá-la por completo, prefiro não limitá-la com palavras e rimas.
Prefiro rir, sorrir, respirar e sentir que estou vivo.



quarta-feira, 7 de maio de 2008

O dia em que eu morri

- Você é o próximo. Pode entrar que a doutora já já vai estar te atendendo.
Estar te atendendo. Que horror. Só não é pior que esta maldita sala de espera.
- (sorriso amarelo) Obrigado.
Eu me levantei e me dirigi à porta de madeira com uma plaquinha metálica estampada com o nome da médica, deixando finalmente aquele lugar irritante.
Dentro do consultório, examinei a sala e os enfeites na mesa. Na parede, estavam os diplomas e outros papéis da tão renomada doutora. Infelimente, não pude sequer ler um, pois logo entrou por uma outra porta a mulher de jaleco branco mais bela e doce que já vi em toda minha vida.
- Olá, como vai?
Voz bonita. Sorriso bonito. Toda bonita.
- Vou bem, doutora, vou bem.
Ela notou que eu estou olhando que nem bobo para ela.
- Doutora, espero que isto não atrapalhe a consulta, mas devo dizer que você é a mulher mais bela e doce que já conheci.
- Oh, obrigada! (sorriso) É muito gentil da sua parte. A maioria não acha isso de mim.
- Ora, estou apenas dizendo a verdade.
Ouvindo isto, a médica olhou-me de cima a baixo, deu um sorrisinho malicioso e disse:
- Bom, mas vamos ao que interessa.
E num gesto selvagem abriu minha camisa e pegou o estetoscópio para escutar meu coração.
- E então, o que ele te diz?
Sem dizer nada, ela colou seu corpo curvilíneo no meu, olhou-me no fundo de meus olhos e beijou minha boca com seus lábios vermelhos e carnudos.
Ah, ela com certeza sabia o que estava fazendo! Seus lábios juntos aos meus pareciam drenar minhas forças tamanha era a intensidade daquele beijo único.
- E agora, doutora, o que meu coração te diz?
Ela encostou a orelha em meu peito.
- Nada. Absolutamente nada. Não está batendo.
- O quê?! Não está batendo?
- Calma isso é ótimo! Quer dizer que consegui te curar com um beijinho.
Ah, a doce doutora Morte! Diziam que até hoje, não havia sequer um paciente que ela não conseguiu curar. Quando nenhum médico conseguia achar a cura para uma doença, lá estava ela. Quando nada parecia cicatrizar um ferimento de qualquer tipo e tamanho, sua experiência conseguia dar um jeito.
Ela era a única que curava doenças jamais vistas e até mesmo câncer.
- Você está ótimo. Já pode ir.
- Como assim? Mas e o beijo? Eu estava só começando...
- Você ouviu, pode ir.
Que vadia.
E quando eu estava prestes a abrir a porta, senti meu coração voltar a bater.
- Dou... doutora, espere, tem algo errado comigo!
Ela novamente usou o estetoscópio, correu para a mesa, apertou um botão no telefone e disse:
- Rápido, chame a emergência!
Desesperada, ela armou uma maca e me fez deitar.
- Vamos! Diga-me que parentes falecidos eu devo contatar caso aconteça alguma coisa!
- Avise meu avô ou minha avó.
- Está certo. E qual é o seu convênio? Também tenho de avisar seu convênio!
- Convênio?
- Cristão, Judeu, Budista, Muçulmano, você sabe, rápido, você não tem muito tempo.
- Ahhh tá. Não tenho. Sou ateu.
- Ah, ok, ok.
- Doutora Morte, sinto que vou voltar... pode só me dizer para onde vai ou o que acontece com quem morre?
- Olha... na v

- Batimentos estabilizados em 72. Pressão ainda baixa, mas subindo. Pode desligar o desfibrilador.