quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Sonhos


Ela era linda.
Seus cabelos negros e ondulados eram como o mar da meia noite e seus olhos, vivos e verdes como uma folha numa manhã de verão.
Seu vestido, da cor de seus olhos, contornavam suavemente as sensuais curvas de seu corpo.
Ah, sim, ela era divinamente linda e ele estava completamente hipnotizado pela sua beleza.
Foi então que ele notou que só ela e ele estavam naquele café vazio e apenas alguns metros estavam entre a mesa dele e a mesa dela.
Ele quis encurtar esta distância, mas começou a pensar em seus cabelos grisalhos, em seu divórcio em andamento e, cada vez que uma preocupação brotava em sua mente, a distância entre ele e ela aumentava.
Quando estava quase a perdendo de vista, levantou-se desesperadamente e acordou.
Eram cinco para às seis.
Mau humorado, o homem saiu da cama e se vestiu para mais um estressante e entediante dia de trabalho.

Acordou numa segunda-feira, cinco minutos antes do desperador, para
se escravizar durante cinco dias à rotina, ouvindo as mesmas reclamações de sua odiada esposa até o próximo final de semana.
Sabia, porém, que seu tão desejado final de semana seria como os últimos, passaria em casa sozinho assistindo à televisão e resolvendo a burocracia de seu divórcio.
Querendo gritar, apenas deu um suspiro e foi trabalhar.
No fim do dia, voltou para casa, fez tudo o que precisava fazer e se deitou.
Quando abriu os olhos, estava em um parque sentado em um banco.
Olhou ao redor e viu, sob à sombra de uma
verde e densa copa de uma grande árvore, a bela moça com quem sonhou na noite anterior.
Ah, sim, era ela
mesma sentada sobre a grama com o mesmo vestido do sonho da última noite.
Desta vez, o homem logo se ergueu e caminhou rapidamente em direção à mulher, com medo de que ocorresse algo como da outra vez.
Sob à grande árvore, ele se sentou ao lado dela e eles se entreolharam durante muito tempo sem dizer absolutamente nada, e assim permaneceram até serem interrompidos pelo despertador.
Sem dizer nada, despediram-se com um abraço, se olharam mais uma vez e ele acordou.
Acordou, mas passou o dia inteiro pensando na linda mulher com quem sonhou de novo.
Chegou até a se perguntar se estava apaixonado, mas achou ridículo um homem de quarenta e três anos se apaixonar por um sonho, por mais bonito que fosse.
Nesta mesma noite, sonhou novamente com a morena de olhos verdes, mas desta vez eles caminhavam de mãos dadas em uma praia deserta sem fim, molhando seus pés nas
cristalinas ondas verdes do mar.
Ele nunca tinha sentido tanta paz e satisfação, que acabou bruscamente da mesma maneira que no sonho anterior, o despertador tocou e ele saiu para enfrentar seu emprego.
A princípio quis negar, mas no escritório começou a sentir saudades da linda mulher com que estava se encontrando secretamente em seu inconsciente.
Agora ele tinha certeza de que estava apaixonado e ficou preocupado.
Como poderia um homem sério e cético como ele estar tão apegado a uma doce ilusão?
Isso ele não sabia responder, mas esqueceu-se de tudo isso quando chegou em casa exausto, jogou-se na poltrona da sala, inclinou a cabeça e fechou os olhos para poder se encontrar com sua musa onírica, agora em um jardim.
Se abraçaram longamente e, quando se olharam, ele abriu a boca para dizer algo, mas ela delicadamente colocou o dedo indicador em seus lábios antes dele poder emitir qualquer som, sorriu e balançou a cabeça.
Ele sorriu de volta, acariciou a macia pele do rosto de seu sonho e a beijou pela primeira vez.
Inconvenientemente, o despertador mais uma vez interrompeu seu encontro no Éden.
O mesmo ocorreu na noite seguinte e na outra, e assim sucessivamente durante dois meses.
Foram sessenta dias de frustração ao acordar e perceber que tudo era apenas algumas meras lembranças de eventos imateriais, de desejos insaciáveis, de secretos encontros criados em seu inconsciente.
Foram sessenta dias de frustração ao acordar e perceber que ainda estava vivendo o mesmo insuportável cotidiano, vivendo os mesmos dias cinzas, encarcerado na rotina de sua vida sem sentido.
Seus sonhos tinham lhe dado uma nova vida. Sempre verdes, eles brotavam do concreto cinza que ele chamava de realidade.
E então, no sexagésimo primeiro dia, cansado, perdido e louco, o homem pediu demissão, embebedou-se, tomou remédios para dormir e voltou para casa.
Na sexagésima primeira noite depois do primeiro sonho, ele pela primeira vez não sonhou.
Acordou em lágrimas e soluços, mas parou de chorar assim que sentiu uma mão suave abraçá-lo por trás, e logo toda a paz que ele sentiu durante todas as noites nos últimos dois meses o possuiu por completo.
Ele se virou, olhou nos olhos verdes de sua deusa e caiu no mais profundo sono.

Um comentário:

KK disse...

Belo texto.

Falando de rotinas, ãhn? Me parece que tivemos idéias similares.

Abraços!