quarta-feira, 20 de junho de 2007

Cotidiano

O gatilho de um revólver é acionado exatamente às oito e dez da manhã de algum fuso horário de algum lugar no mundo.

Enquanto a pólvora da cápsula está a queimar, em algum lugar no mundo, um pedreiro está preparando a argamassa, um padeiro amassando a massa do pão, um vendedor abrindo sua loja,
um bebê dando o primeiro passo, uma adolescente dando seu primeiro beijo, um menino aprendendo a ler, um estagiário acordando já estressado, um taxista xingando um motoboy e um desempregado procurando emprego.

Enquanto a bala se move no cano, um faxineiro está limpando o chão, uma mulher comprando sapatos, um estudante tentando olhar a prova de um colega, um artista dando um show de pirofagia, um menino fazendo xixi na cama, um psicólogo atendendo um psicótico e um homem continua em coma.

Quando o projétil finalmente deixa o interior da arma, um ex-prisioneiro sente o sabor da liberdade após 13 anos encarcerado, um velhinho engasga com um pedaço de batata, uma viúva deixa flores no túmulo do falecido marido, um jovem assume sua homossexualidade, uma mulher dá luz a um menino, um viciado injeta heroína, um turista é roubado e um homem bate na esposa.

Enquanto a bala viaja no ar, um mendigo está revirando uma lata de lixo em busca de nutrientes, um obeso oferecendo metade de sua bomba calórica ao seu cachorro, um político abrindo uma conta na Suíça, uma mãe africana caminhando kilômetros para buscar água, uma mulher doando sangue, uma criança passando frio, um rapaz ouvindo seu I-pod e um garoto fumando crack.

Então, o projétil atinge a nuca da vítima. Neste mesmo momento, um executivo tem um infarto, uma mulher tem um orgasmo, um suicida corta os pulsos, uma mulher é estuprada, um menino vê o final do seu jogo de video game, uma menina morre desnutrida, um apaixonado declara seu amor, um casal assina o divórcio, um bêbado bate o carro e um presidente bombardeia uma cidade.

Nada de mais.

Um quarto de segundo como
outro qualquer de um dia como qualquer outro em um mundo como outro nenhum.

Um comentário:

Karina disse...

Incrível como tanta coisa acontece em tão pouco tempo e a gente nem percebe né?!
Fazia tempo que eu não olhava seu blog, continua, como sempre...crítico...hehe!
Bjos