Não tenho mais reservas alimentares disponíveis e saboreio meu último chocolate derretido com o calor ambiente até o último instante. O prazer, porém, dura pouco, pois o açúcar me dá sede e logo me arrependo de perder minha batalha contra a fome. Relutante, admiro o último gole de água que resta em minha garrafinha de meio litro de água. Quero lutar contra meus impulsos, mas não consigo e esvazio a garrafa, virando-a até a última gota. Logo, terei vontade de urinar, mas não há banheiro algum nas proximidades e não posso nem ao menos me mover. Estou preso. Terei de aguentar até o último instante. Se eu sobreviver ao dia de hoje, começarei a sair de fraldas para evitar possíveis transtornos. Suo feito um porco, muito embora tenha descoberto que porcos não transpiram, suo muito com este calor infernal e sinto que vou perder a consciência. Mas não sou o único. Estou confinado junto a dezenas de desconhecidos que sofrem o mesmo que eu. Para poupar minhas energias, tento dormir um pouco, e consigo descansar até o sono se esgotar, e volto a me incomodar com este ar denso, rarefeito, com cheiro de gente e roupa úmida. Já perdi a noção do tempo há muito tempo preso aqui dentro. Para me distrair, releio Cortazár que comprei anteontem e li durante os percursos dentro de meios de transporte públicos. Termino de ler e sem mais nada para fazer, desembaço o vidro e vejo a chuva lá fora caindo sobre o teto de incontáveis autoimóveis, molhando a fronte de um único aglomerado de feras contraditoriamente concebidas para correr a pelo menos cem quilômetros por hora. Me chama a atenção uma van amarela da Sedex. Pode confiar. Rá, com este trânsito do caralho, tá bom. Olho o relógio e percebo então que já estou há quase duas horas de pé, cozendo em vapor humano, sendo que são apenas quatro quilômetros de distância entre meu ponto de partida e meu ponto de chegada, distância que eu conseguiria cobrir em cerca de cinquenta minutos de caminhada. Isto significa que já estaria lá há mais de uma hora e ainda teria me exercitado e estaria úmido de chuva, não de suor nostro. Puto da vida, saio, depois de me esgueirar pelas microfrestas entre anônimos braços, bundas e mochilas e irritar metade dos passageiros do busão. Ahhh! Enfim, livre! A chuva ácida de São Paulo é deliciosamente refrescante e purificadora. Benzido, inclino a cabeça para cima, respiro fundo, fecho os olhos, abro a boca e os braços. Um bem estar corre por meu corpo junto com a água que me lava e, com um sorriso no rosto, já não me incomodo com as calçadas inundadas e esburacadas, pois ando pelos estreitos corredores de autoimóveis rapidamente, cada vez mais veloz, ultrapassando um jetta, uma bmw, e mais para frente um porsche, e assim vou correndo livre, pisando fundo (nas poças d'água).
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
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2 comentários:
O dia que Sampa parou...
há... mai sum, né?
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