terça-feira, 17 de novembro de 2009

A Bailarina



Procurando bem

Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem



Vida de artista não é fácil.
Hoje passei por uma obra do metrô e vi uma moça pegando pesado na construção, levantando entulho para carregar um caminhão.
Dei uma boa olhada na bunda dela. Estava escrito Caterpillar.


Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem



Lembrei então que conhecia a moça de um espetáculo, um dos melhores espetáculos de dança à que já assisti.
Moça grande, meio esquisita, com um braço só, mas um baita dum braço forte, filha do meio de mais de cem irmãs, nasceu bastante saudável e já com mais de duas toneladas.
Levou uma vida bastante difícil e, até onde sei, foi vendida pela família para trabalhar na construção em regime escravo.


Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem


Até que um dia sua sorte mudou, e um bailarino da Cia. Beau Geste apaixonou-se pelos movimentos da pobre moça e convidou-a para rodar.
Foi então que a conheci.


Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem


Na Virada Cultural deste ano, fui ao Anhangabaú assistir, ao lado do palco do Balé da Cidade, num cantinho ali, ao lindo balé do casal.
A Bela era a Fera, e naquela dança inusitada entre um homem e uma escavadeira, havia uma beleza inacreditável e indizível.


O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem


Uma dança delicada, sutil, e a escavadeira, que à primeira vista era um monstro, mostrou ser tão feminina quanto se pode ser naquela dança estranhamente romântica.
Mas foi isso, teve sua chance de brilhar uma vez no palco e receber calorosas palmas, para depois voltar para o anonimato da vida dura e comum.
Como a maioria dos artistas.

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