quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Viajando no ônibus - 2° divagação

Ônibus.
Um grande enlatado de gente.
Uma embalagem reutilizável.
Um transportador de carne.
Sim, de carne.
Que repugnância.
De fato, a princípio ninguém pega ônibus porque quer.
Ele é um mero meio, não um fim.
Já porta do ônibus me encanta com suas propriedades mágicas.
Ela é um filtro.
Nosso corpo entra, mas nossa mente não.
Deixamos nossa interface física com o mundo e vamos para qualquer outro lugar que não seja onde estamos.
A pequena mulher ao meu lado, por exemplo, dorme tranquilamente.
As trepidações não a incomodam e o barulho não perturba seu sono de mercúrio.
Ela dorme.
Seu corpo inerte está quase babando em meu ombro, mas ela não percebe.
Certamente, a moça está mergulhada em outra dimensão, na realidade paralela dos sonhos.
Já o jovem no banco ao lado fugiu para o mundo platônico.
Em suas mãos peludas, as páginas de A República o desligam do que se passa ao seu redor.
Tarde demais, o jovem foi transportado para séculos atrás.
Enquanto isso, a senhora adiposa perto da catraca mantém seu olhar inexpressivo fixo na janela.
Seus olhos caídos enxergam seu próprio reflexo lá fora, flutuando sobre as manchas rápidas que correm na direção contrária do veículo.
Mas, certamente, ela não está enxergando o que se passa lá fora.
É lá fora, flutuando, que ela realmente está.
Apesar de quase ninguém estar presente naquele local confinado, perto da senhora há um adolescente que presta atenção e se incomoda com o ambiente.
Obviamente, jamais percorrera este trajeto antes.
Quando se acostumar, porém, também vai deixar seu corpo ali e fugir para longe, até chegar a hora de recolher sua interface.
Mas até lá, sofrerá com sovaco suado na cara, seios nas costas, cotovelo na orelha, maleta no umbigo e tênis no joelho.
Sem nossas mentes ali, nossos corpos parecem iguais e se fundem naquele repugnante, úmido e fétido bolo quase fecal prestes a sair pelos fundos.
Sim, somos apenas um bolo de carne, engolido pelo monstro geométrico urbano.
Ele suga de nós o que precisa e sai defecando pela cidade inteira a parte não digerida.

Isso acontece sempre, com exceção daqueles que já passaram da validade.
Estes são regugitados pelo mesmo orifício por onde entraram.
Que repugnância.

Um comentário:

KK disse...

po, eu gosto de andar de ônibus!!
sempre tem uns malucos interessantes!!!

o que não significa que eu não concorde ou entenda o seu texto.

abraço.