Quem não a conhecia, enxergava uma mulher infeliz de meia idade, solteira, sem filhos, vivendo uma "vidinha de merda."
Quem a conhecia, também.
Chandala, que raramente saía de casa, não recebia visitas de quase ninguém, nem mesmo de seus amigos, até talvez porque ela não tivesse nenhum, apenas recebia em sua casa sua irmã esporadicamente.
Em sua última visita, ela disse para Chandala "se tratar, fazer terapia, se internar, arranjar uma vida, sei lá, eu sempre falo isso e você nunca me ouve."
Chandala, em resposta, repetia tudo o que sempre dizia à sua irmã, fazendo com que ela perdesse a paciência e a visitasse cada vez menos, "aquela insensível."
Depois que sua irmã saiu com passos rápidos pela porta da frente, ela começou a falar sozinha, indignada com o fato de sua irmã lhe trazer "uma garrafa de vinho enquanto há criancinhas morrendo de fome na África, mas que absurdo! Com o dinheiro gasto naquela garrafa, era possível alimentar oito ciranças, você não tem coração?"
Dois meses depois, sua irmã veio visitá-la novamente, talvez pela última vez.
Era seu aniversário e sua irmã, a única que se lembrou, trouxe-lhe um bolo que "eu não preciso de bolo, quem precisa é aquele mendigo do outro lado da rua."
Assim era Chandala e, depois deste episódio, segundo ela própria, só melhorou.
Com sua irmã sem vir visitá-la mais, agora ela não só evitava usar aparelhos eletrônicos para não gastar energia como também não limpava a boca com guardanapo para evitar a morte de árvores inocentes, evitava peidar para não aumentar o teor de gás carbônico e metano da atmosfera, não se masturbava porque Deus poderia estar a observando, não falava palavrões porque o quadro de seu falecido-pai-deus-o-tenha poderia estar ouvindo, não cozinhava para não aumentar a temperatura global e evitava tomar banho para não gastar água.
Além disso, ela vendeu quase tudo o que possuia e doou o dinheiro para instituições pilan...filantrópicas, plantava árvores e gritava paz como sua solução para um mundo perfeito.
Às vezes, também gritava justiça, como no caso da menina morta e atirada pela janela pelo pai e pela madrasta, em que seus gritos obviamente foram ouvidos e, assim, a justiça prevaleceu graças à ela e outras pessoas do bem que se uniram e produziram boas vibrações.
Chandala, a perfeita, era uma santa completa.
Salvara milhões de vidas não comendo bacon e rezava todos os dias para o mundo não acabar, mantendo, com suas abençoadas palavras de louvor, o nível seguro de entropia do universo.
Retificando, uma santa completa a quem só faltava o martírio.
Afinal de contas, com sua morte, ou melhor, com sua passagem, sobraria mais oxigênio e alfaces para o resto da humanidade.
Assim, ela decidiu que se atiraria pela janela, mas num segundo momento, pensou que poderia atingir alguém lá embaixo e decidiu que melhor seria cortar os pulsos, idéia que também foi abandonada porque "coitado do cara que vier limpar todo o sangue, mas já sei, a melhor idéia" seria envenenar-se, é claro, mas lembrou-se de que ela era careta e drogas bah.
No final, ela acabou descartando o suicídio, afinal de contas, como poderia ter me esquecido, o universo continuava em funcionamento graças a ela.
sexta-feira, 18 de abril de 2008
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2 comentários:
putz.
sou a Chandala mas não quero morrer, quero bacon e quero trocar fermentados por destilados...
pois é...
o Universo é grande, a humanidade ínfima e proteger a natureza... bom, em largas escalas é lá meio inútil.
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