segunda-feira, 28 de abril de 2008

Infância Urbana


Roubar goiabas colhidas na goiabeira do vizinho é algo tão distante como a infância de minha mãe.
Para mim, as goiabas sempre vieram dentro de sacos plásticos etiquetados com códigos de barras.

Ir a uma fazenda e ver eqüinos, bovinos, caprinos, suínos e galináceos era um passeio tão divertido como ir ao zoológico.
Ordenhar vacas, então, era uma experiência tão única como ir a um aquário acariciar golfinhos.

O céu estrelado que eu via com mais freqüência era o teto com estrelinhas que brilhavam no escuro do quarto de um amiguinho da escola, seguido pelas rodomas dos planetários.
Estrelas cadentes, infelizmente, jamais riscavam o céu iluminado de minha cidade.

Buzinas, motores, xingamentos e derrapagens sempre foram para mim os substitutos de conversas de grilos e sapos durante à noite.
Acordar com o canto de um galo sempre foi algo tão surreal que eu achava que só acontecia nos desenhos animados.

Brincar lá fora significava sempre dentro de algum lugar que não tinha teto, mas ainda assim cercado por muros.
Sair de casa pela janela do quarto, por sua vez, significava uma mortal queda de dez andares.

Assistir ao pôr-do-sol era um evento reservado às férias, uma vez que, em minha cidade, o horizonte se esconde atrás dos arranhacéus.
Já assistir à televisão, era um evento corriqueiro para o qual reservava todas minhas manhãs.

O ar puro com cheiro de grama verde era por mim tão apreciado como o cheiro da chuva.
Meus pobres pulmões cresceram inflados com fumaça de carros e cigarros alheios.

Brincar na lama tinha em minha infância um equivalente chamado piscina de bolinhas.
Nadar em um rio era impossível, já que o único de minha cidade era um depósito de lixo que se movia.

Soprar dentes-de-leão e pisar na grama com os pés descalços eram um deleite e um delito, já que a grama, tão rara em concreto e asfalto, segurava placas que proibíam-me de pisá-la.
Soprar fitas de video-game era um ato maquinal que me preparava para, com meus ágeis dedos, ligar um jogo e desligar-me do mundo.

Para mim, lenha era algo que queimava em lareiras de filmes de Hollywood e gás era a única coisa que podia alimentar o calor um fogão.
Para mim, pescar ou caçar girinos e borboletas já eram atos considerados anti-ecológicos.

A fogueira, com seus estalos e suas fagulhas, era um objeto de contemplação.
Estradas de terra, com seus buracos e sua poeira, eram um caminho para outra civilização.


Um comentário:

Laura Pifano Cambraia disse...

eu amei esse texto, vai me ajudar muito no livro que estou produzindo sobre os tipos de infância para um trabalho da escola. irei te dar seus devidos créditos, não se preocupe.