O prédio da FAU, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, do campus USP Cidade Universitária, é um ícone da arquitetura e do espírito modernos.
Para se ter uma idéia da importância deste marco, o projeto do famoso arquiteto modernista João Batista Vilanova Artigas foi tombado em 1982 e ganhador do prêmio Jean Tshumi da União Internacional dos Arquitetos em 1985.
Quem vê a FAU de longe, pode achar que é só mais um bloco de concreto e aço no meio da USP, mas quem conhece a FAU, sabe que existe um discurso e uma poética muito além daquilo que é aparente para um olhar distraído e distante.
Para começar, a FAU não tem portas. Não existe uma delimitação do que é dentro e do que é fora; o espaço interno e externo são integrados, um é continuação do outro.
Quanto à sua configuração interna, a melhor definição é do próprio autor do projeto: "A FAU é um espaço flúido, integrado, somático. A pessoa não sabe se está no primeiro andar, no segundo ou no terceiro."
A respeito das cores, as paredes cinzas de concreto aparente podem desagradar o olhar não acostumado, mas permitem aos alunos configurarem e personalizarem seu próprio espaço, não impondo padrões, cores ou texturas a ninguém.
Também pode desagradar os desacostumados a distância entre salas, departamentos, cantina, biblioteca, xerox e laboratórios, mas esta distância permite que a pessoa caminhe pelo prédio admirando suas formas e sua poética inerente de sua natureza moderna, tornando o meio, a passagem, um ato de deleite cotidiano.
Se sabendo disto você acha que já conhece a FAU, saiba que sua poética de integração vai muito além.
Quem estuda ou mesmo vive na FAU, como alguns alunos, e vivencia todos os dias a arquitetura de Artigas suficientemente a ponto de perceber suas pequenas nuances, percebe que a fluidez e a integração somática desejada pelo arquiteto reside nos detalhes.
A fusão entre interno e externo é tamanha que o interno enaltece as qualidades do ambiente externo, trazendo uma experiência sinestésica ao indivíduo fauano.
Em uma noite frio de inverno, o prédio não só mantém a temperatura externa, como tem a incrível capacidade de diminuí-la, potencializando a sensação de baixa temperatura às pessoas que ali se encontram. Ao olhar para cima, é possível enxergar estalactites de calcário provenientes de infiltrações planejadas por Artigas, trazendo uma mistura de sensações como a passagem do tempo e a de estar dentro de uma caverna de gelo.
O mesmo ocorre num dia quente de verão. O calor interno sublinha aos indivíduos dentro da FAU que a temperatura daquele dia é alta, para que eles não se sintam deslocados de seu entorno natural.
Esta forte ligação com o clima é ainda mais bela em dias de chuva, quando algumas gotas d'água entram nas salas de aula e nos estúdios pelas frestas do teto estrategicamente planejado para que o ente da experiência universitária sinta-se tocado pela natureza, mesmo estando no interior de um fruto do avanço tecnológico do sonho moderno de progresso. Não obstante, o material do qual é feito o telhado também aumenta o nível de decibéis da precipitação pluviométrica, permitindo ao indivíduo ouvir claramente cada pingo d'água, tão claramente que até mesmo o professor, que percebe sua pequenice diante das forças da natureza, pára seu discurso pedante, intimidado pela voz que cai das nuvens.
Como se não bastasse, isto em especial para os alunos de design, que estudam no período noturno, em sextas-feiras de happy hour, das salas de aula no último andar, é possível ouvir as pessoas que estão lá embaixo conversando alegremente,as músicas que estão dançando, os batuques de seus tambores e até mesmo inalar o odor de drogas ilícitas que pairam no ar, fazendo com que eles, mesmo durante uma aula, sintam-se integrados com os alunos do curso de arquitetura e participem da festa sem estarem lá.
É a arquitetura moderna proporcionando a integração completa entre indivíduos, quebrando limites de paredes e distâncias.
Esta supressão de distâncias chega a ser tão forte que recentemente, num projeto de paisagismo implantado pela prefeitura do campus, a FAU refez seus jardins e espalhou fertilizante pelos seus canteiros no entorno do prédio. O resultado é minimamente bucólico. A baixa ou quase nula circulação de ar da construção faz com que o natural perfume dos dejetos animais se acumule dentro da faculdade, remetendo a uma vida pastoral cercada pela espontaneidade digestiva dos bovinos, caprinos e equinos.
É quase como se aquele monolito cinzento possuísse propriedade mágicas.
Sem julgar valores, ele enaltece as qualidades que entram, não só climáticas e ambientais, mas até mesmo pessoais.
Se um aluno entra bêbado, sai um alcóolatra; se um bixo entra um homossexual enrustido, sai de lá um grande gay alegre e assumido, se uma pessoa entra perdida, sem saber ao certo que caminhos seguir, sai ainda mais perdido do que entrou, isso para citar apenas alguns exemplos pontuais.
Ninguém entra lá como um arquiteto profissional, e a maioria que se forma, respeitando os princípios da FAU, são muito bem sucedidos nas mais variadas profissões, desde que não sejam arquitetura, como nosso grande Chico Buarque de Hollanda, por exemplo.
É como se a FAU fosse o oposto diametral do famoso "nada nadificador" de Heidegger.
A FAU é o tudo tudificador que potencializa as potencialidades socio-ambientais que permeiam seu interior e seu entorno.
Ela é a materialização da liberdade, do flúido, da integração somática entre pessoas de uma sociedade e entre a civilização e a natureza.