Pelo fino vidro das janelas, entra o brilho opaco da cinzenta aurora, que invade os incômodos cômodos sem vida da antiga casa de repouso e chega aos olhos vestidos pela catarata de uma residente.
Olhos opacos e sem vida que fitam o infinito.
Sua pele se mostra vincada e manchada pelo tempo, e suas costas, curvadas pelo peso de todos anos empilhados.
Sentada numa velha cadeira de rodas de frente para o jardim sem flores, no limiar entre o salão e o quintal, permanece imóvel, em silêncio, num estado catatônico.
Todos os outros idosos estão no salão principal, assistindo à televisão, tricotando, lendo ou contando memórias de uma época lendária.
Só ela permanece ali, sozinha, silenciosa, enigmática e melancólica durante horas e horas, até que chega no asilo uma família.
Enfim, um pouco de vida e alegria espalha seus esporos naquele lugar cinza.
Mas a família veio visitar um carismático senhor, o mais novo do asilo, que os recebe com um apertado abraço e um largo sorriso.
Alguns minutos se passam até que uma garotinha sai do aglomerado familiar e nota a velha solitária.
Com seu impulso infantil, corre até ela e observa-a com curiosidade, mas a idosa não parece notar a presença da inocência em sua frente.
A menina, então, pergunta:
- Por que você está aí desse jeito?
A velha, sem mudar de expressão, sem tirar os olhos do infinito, responde com uma voz porosa, rouca e desafinada pelo tempo:
- Porque aqui fui esquecida...
- Esquecida?
- Sim, uma velha árvore cujos frutos abandonaram há muito tempo.
- Ninguém vem te visitar?
- Não.
- Mas por quê?
- Ora, logo você também não virá mais visitar seu avô. Eu espero uma visita há muito tempo.
- Quem você está esperando?
- Tânatos. Estou esperando ela vir me buscar para me tirar deste lugar.
- Quem é ela?
- É alguém que todos neste lugar vêm para esperá-la. A única que nunca se esquece de ninguém, embora, às vezes, demore para chegar.
- Mas e seus filhos e netinhos?
- Bom, para muitos são os últimos que carregarão suas memórias, porque, depois, o fato de você ter existido, ou não, não faz a mínima diferença. Os meus já se esqueceram de mim. Eu não existo mais.
- Não entendi...
- Um dia você entenderá. Verá que, independentemente da vida que levou, das façanhas que fez, não passamos de uma brisa do mar.
- Mas tem um monte de gente que já se foi e a gente lembra delas até hoje.
- Do nome delas, apenas do nome delas. A pessoa que ela realmente foi é uma chama que está para sempre apagada.
A garotinha, confusa, sem entender direito as palavras que ouvia, sentia algo incômodo emanando daquela estranha mulher.
Então, um calafrio correu sua espinha e a fez voltar correndo para sua mãe.
Depois de contar o que havia acontecido, a mãe da menina se dirige à velha e pára em frente a ela, analisando-a em silêncio.
Passam-se talvez dois ou três minutos sem que nenhuma das duas diga uma só palavra, mas o gélido ar da velha começava a se tornar insuportável.
- A senhora...está bem?
- Os mortos aprisionados em carne viva nunca estão bem.
Aquelas palavras tumulares apertaram o coração da mulher.
Um sentimento estranho tomava conta dela, não era medo, não era dor, não era horror, não sabia o que era, fosse o que fosse, tomou seu corpo, seu fôlego e seus pensamentos.
Foi só depois de mais alguns minutos que conseguiu pronunciar algumas palavras.
- Seu silêncio...é tão...sepulcral...
Foi neste momento, neste único momento, que a velha mudou de expressão. Ela sorriu e disse:
- Se quiser, posso cantar um réquiem.
Olhos opacos e sem vida que fitam o infinito.
Sua pele se mostra vincada e manchada pelo tempo, e suas costas, curvadas pelo peso de todos anos empilhados.
Sentada numa velha cadeira de rodas de frente para o jardim sem flores, no limiar entre o salão e o quintal, permanece imóvel, em silêncio, num estado catatônico.
Todos os outros idosos estão no salão principal, assistindo à televisão, tricotando, lendo ou contando memórias de uma época lendária.
Só ela permanece ali, sozinha, silenciosa, enigmática e melancólica durante horas e horas, até que chega no asilo uma família.
Enfim, um pouco de vida e alegria espalha seus esporos naquele lugar cinza.
Mas a família veio visitar um carismático senhor, o mais novo do asilo, que os recebe com um apertado abraço e um largo sorriso.
Alguns minutos se passam até que uma garotinha sai do aglomerado familiar e nota a velha solitária.
Com seu impulso infantil, corre até ela e observa-a com curiosidade, mas a idosa não parece notar a presença da inocência em sua frente.
A menina, então, pergunta:
- Por que você está aí desse jeito?
A velha, sem mudar de expressão, sem tirar os olhos do infinito, responde com uma voz porosa, rouca e desafinada pelo tempo:
- Porque aqui fui esquecida...
- Esquecida?
- Sim, uma velha árvore cujos frutos abandonaram há muito tempo.
- Ninguém vem te visitar?
- Não.
- Mas por quê?
- Ora, logo você também não virá mais visitar seu avô. Eu espero uma visita há muito tempo.
- Quem você está esperando?
- Tânatos. Estou esperando ela vir me buscar para me tirar deste lugar.
- Quem é ela?
- É alguém que todos neste lugar vêm para esperá-la. A única que nunca se esquece de ninguém, embora, às vezes, demore para chegar.
- Mas e seus filhos e netinhos?
- Bom, para muitos são os últimos que carregarão suas memórias, porque, depois, o fato de você ter existido, ou não, não faz a mínima diferença. Os meus já se esqueceram de mim. Eu não existo mais.
- Não entendi...
- Um dia você entenderá. Verá que, independentemente da vida que levou, das façanhas que fez, não passamos de uma brisa do mar.
- Mas tem um monte de gente que já se foi e a gente lembra delas até hoje.
- Do nome delas, apenas do nome delas. A pessoa que ela realmente foi é uma chama que está para sempre apagada.
A garotinha, confusa, sem entender direito as palavras que ouvia, sentia algo incômodo emanando daquela estranha mulher.
Então, um calafrio correu sua espinha e a fez voltar correndo para sua mãe.
Depois de contar o que havia acontecido, a mãe da menina se dirige à velha e pára em frente a ela, analisando-a em silêncio.
Passam-se talvez dois ou três minutos sem que nenhuma das duas diga uma só palavra, mas o gélido ar da velha começava a se tornar insuportável.
- A senhora...está bem?
- Os mortos aprisionados em carne viva nunca estão bem.
Aquelas palavras tumulares apertaram o coração da mulher.
Um sentimento estranho tomava conta dela, não era medo, não era dor, não era horror, não sabia o que era, fosse o que fosse, tomou seu corpo, seu fôlego e seus pensamentos.
Foi só depois de mais alguns minutos que conseguiu pronunciar algumas palavras.
- Seu silêncio...é tão...sepulcral...
Foi neste momento, neste único momento, que a velha mudou de expressão. Ela sorriu e disse:
- Se quiser, posso cantar um réquiem.
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